Mecanismos de regularização da dívida com a união federal pelo devedor em recuperação judicial

MECANISMOS DE REGULARIZAÇAO DA DÍVIDA COM A UNIÃO FEDERAL PELO DEVEDOR EM RECUPERACAO JUDICIAL

Desde a edição da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências, Recuperação Judicial e Extrajudicial – “LRF”), o legislador procurou conferir meios privilegiados e mais vantajosos para o devedor em recuperação judicial promover a regularização de seu passivo tributário, conforme se nota do disposto nos artigos 68 da LRF e 155-A, §3º, do Código Tributário Nacional, que previam de forma genérica a necessidade de se estabelecer parcelamentos mais benéficos ao mesmo.

 

No entanto, tais dispositivos não foram postos em prática. Apenas com a edição da Lei nº 13.043/14, quase dez anos depois de vigência da nova lei de falências [notadamente o seu artigo 43, que acrescentou o artigo 10-A na Lei nº 10.522/02], é que se trouxe ao devedor em recuperação a possibilidade de parcelamento dos débitos com a União Federal, e ainda assim de modo bastante restritivo, em apenas 84 parcelas e com a obrigatoriedade de inclusão da totalidade do passivo fiscal, mesmo aqueles ainda em discussão.

 

Ocorre que, além do prazo concedido não atender a real necessidade das empresas em recuperação, o sobredito instrumento legal estava eivado de inconstitucionalidades [por violação aos princípios da inafastabilidade da jurisdição; da isonomia tributária; e da capacidade contributiva], deixando de servir como veículo para a empresa em recuperação atingir o almejado status de regularidade fiscal.

 

E o fato é que esta realidade – de dificuldade prática de equalização do passivo tributário do devedor em recuperação judicial – permaneceu até a recente promulgação da Lei nº 14.112/20, que não só promoveu profundas alterações na LRF, como também implementou alterações na legislação federal tributária, em especial, na Lei nº 10.522/02 [artigos 10-A, 10-B e 10-C], trazendo ao devedor em recuperação judicial novos mecanismos de regularização do passivo com a União.

 

Pois adiante passamos a elencar, em linhas gerais, estes novos mecanismos, seja em relação a débitos não inscritos, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), seja em relação a débitos inscritos administrados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sendo eles:

 

1º: Parcelamento em até 120 prestações mensais e sucessivas de débitos inscritos ou não em dívida ativa;

2º: Liquidação de até 30% de débitos não inscritos com créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, ou mesmo, com outros créditos relativos a tributos que porventura o devedor detenha em face da RFB [por exemplo: créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS], e parcelamento do saldo restante em 84 parcelas mensais e consecutivas;

3º: Parcelamento em até 24 prestações mensais e consecutivas de débitos inscritos ou não em dívida ativa, relativos à tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação, além de IOF retido e não recolhido [os quais, a rigor, não seriam passíveis de parcelamento ordinário] e, por fim;

4º: Transação tributária dos débitos inscritos em dívida ativa, observando o prazo máximo de quitação em até 120 parcelas [com ressalva aos débitos previdenciários que devem ser quitados em até 60 parcelas] e o limite máximo de reduções de até 70% do débito transacionado.

 

Em todas as modalidades o contribuinte deve se comprometer em manter a regularidade fiscal perante a União e o cumprimento regular das obrigações para com o FGTS, sob pena de rescisão.

 

É de se notar que nas três primeiras modalidades de parcelamento não há qualquer desconto sobre os encargos da dívida negociada, inexistindo também a possibilidade de ajustar as parcelas à realidade econômica da empresa em recuperação judicial, o que as tornam, de certa forma, pouco atrativas ao devedor em crise.

 

Por outro lado, a transação tributária dos débitos inscritos trouxe a possibilidade de se conferir expressivos descontos sobre a dívida transacionada [70% do valor do débito, tendo sempre como limite o valor do principal], permitindo ao devedor, muitas das vezes, o parcelamento de apenas o valor do tributo, isto é, redução de 100% multas, juros e do encargo legal devido à PGFN.

 

Estes benefícios foram ainda mais ampliados com a recente publicação da Lei nº 14.375 em 22/06/2022, regulamentada apenas em 01/08/2022, que autorizou a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para quitar até 70% do débito transacionado já desagiado, ou seja, após a incidência dos descontos, permitindo com isto a amortização não apenas dos juros, multa e encargo legal, como também do principal inscrito, representando grande avanço no instituto da transação.

 

Além disto, na transação tributária o devedor pode discutir com a PGFN um fluxo de pagamentos que se amolde à sua atual realidade econômica, com a proposição de, por exemplo, moratória para início do pagamento das prestações, ou mesmo, parcelas crescentes, além de também poder utilizar créditos líquidos e certos que detenha em desfavor da União através de decisão transitada em julgado, ou mesmo, de precatórios próprios ou de terceiros para fins de amortização do saldo devedor transacionado.

 

Assim, os descontos, os créditos que se pode utilizar para amortização da dívida e a flexibilidade no ajuste das parcelas têm feito da transação tributária o mecanismo preferido dos devedores em recuperação judicial para composição do seu passivo com a União Federal.

 

Na prática, o que se nota é um movimento dos contribuintes de solicitar à RFB o célere encaminhamento de débitos à dívida ativa para que, ato subsequente, possam negociá-los diretamente com a PGFN via transação tributária, beneficiando-se dos descontos concedidos e da possibilidade de customização do fluxo de pagamentos, o que não seria possível nas outras modalidades de negociação.

 

Estas alterações legislativas conferiram à União o protagonismo na proposição de medidas mais benéficas de equalização do passivo tributário do devedor em recuperação judicial, tanto que em tão pouco tempo de vigência já há notícias da recuperação de dezenas de bilhões de reais pela PGFN, especialmente através da figura da transação tributária.

 

O que se espera é que estes bons ventos sirvam de exemplo para que Estados, o Distrito Federal e Municípios também avancem nos até então tímidos programas de regularização de débitos destinados ao devedor em recuperação judicial, com a implementação de mecanismos de equalização que efetivamente façam frente às suas necessidades, com descontos expressivos sobre os encargos da dívida e prazos mais elásticos para pagamento do débito.

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