Efeitos da não apresentação de CND para fins de concessão da recuperação judicial

Efeitos-da-nao-apresentacao-de-CND-para-fins-de-concessao-da-recuperacao-judicial

Ao menos antes da vigência da Lei 14.112/2020, a dispensa de Certidões Negativas de Débitos Fiscais (CNDs) para fins de concessão da recuperação judicial sempre foi o entendimento prevalente na jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ. Não obstante a expressa exigência prevista no art. 57 da Lei 11.101/2005, as decisões judiciais flexibilizavam a necessidade de apresentação de CNDs, sob a justificativa de inexistência de um parcelamento especial para dívidas tributárias voltado para empresas em recuperação judicial, além da importância de se prestigiar a preservação da empresa enquanto fonte de riquezas e empregos.

 

Após o advento da Lei 14.112/2020, que incluiu os artigos 10-A, 10-B e 10-C na Lei 10.522/2002, foram instituídas condições que, em tese, seriam adequadas para que empresas em recuperação judicial pudessem promover a equalização do passivo fiscal, seja através de parcelamento específico, seja através de proposta de transação individual. Com isso, o entendimento jurisprudencial até então consolidado começou a ser revisto, ao menos em alguns de Tribunais de Justiça da Federação, de maneira a se condicionar a concessão da recuperação judicial à apresentação das CNDs, na forma em que determinado pelo art. 57 da Lei 11.101/2005.

 

Muito embora a discussão acerca da necessidade, ou não, da apresentação de CNDs para fins de concessão da recuperação judicial ainda padeça, ao menos sob a égide da Lei 14.112/2020, de um enfrentamento pelo STJ, paira uma indefinição de quais seriam as consequências legais decorrentes da não apresentação da CNDs para obtenção da sentença de concessão da recuperação judicial.

 

Isto é, uma empresa ingressou com um processo de recuperação judicial; teve o processamento do pedido deferido; aproveitou-se da proteção conferida pelo stay period;apresentou um plano que foi aprovado pela Assembleia Geral de Credores; e, na forma em que previsto no art. 57 da Lei 11.101/2005, foi instada por ordem judicial a apresentar as CNDs para fins de homologação do plano e concessão da recuperação judicial. Entretanto, seja porque não logrou obter uma transação individual, seja porque não cumpriu com os requisitos ou não detém condições financeiras para honrar com o parcelamento específico, não conseguiu cumprir a determinação judicial de entrega das CNDs.

 

Nessa hipótese, qual seria a consequência legal suportada pela empresa?

 

A Lei 11.101/2005 é omissa. Nada diz acerca dos efeitos legais advindos da não apresentação das CNDs pela empresa que ingressou em recuperação judicial e teve seu plano aprovado pela Assembleia Geral de Credores.

 

Já no âmbito das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, verifica-se que duas medidas de consequências e efeitos extremamente díspares foram estipuladas em razão da não apresentação de CNDs.

 

No julgamento dos recursos de agravo de instrumento nºs 2221773-54.2021.8.26.0000 e 2180736-47.2021.8.26.0000, ambos de relatoria do Desembargador Ricardo Negrão, foi concedido prazo para a empresa devedora apresentar CNDs para fins de concessão da recuperação judicial, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência.

 

Já no julgamento dos recursos de agravo de instrumento nºs 2237834-87.2021.8.26.0000 e 2210390-79.2021.8.26.0000, ambos de relatoria do Desembargador Sérgio Shimura, a apresentação de CNDs foi determinada sob pena de extinção do processo de recuperação judicial.

 

Note-se o distante patamar em termos de gravidade das duas medidas impostas.

 

A falência implica, em regra, na descontinuidade da atividade empresária – em que pese o esforço legislativo, a falência continuada ainda é uma rara exceção na prática –, do que resulta na extinção dos empregos derivados da atividade empresarial, na liquidação dos ativos e consequente pagamento dos credores com observância da ordem de preferência legal, além dos efeitos que recaem sobre a pessoa do falido que só obterá a declaração de extinção das obrigações caso haja o pagamento de ao menos 25% dos créditos quirografários ou o decurso do prazo de três anos da decretação da falência.

 

De outro lado, a mera extinção do processo de recuperação judicial levaria tão somente à revogação dos atos praticados no curso processual, com o retorno das partes ao status quo ante.

 

Logo, a diferença entre a extinção da recuperação judicial e a convolação em falência por força da não apresentação de CNDs é brutal.

 

E, de fato, nos parece que a decretação de falência se afigura medida que não encontra respaldo legal, daí porque inoportuna. A previsão normativa que mais se aproximaria da hipótese seria o art. 73, V da Lei 11.101/2005, que dispõe que a recuperação judicial será convolada em falência quando houver o descumprimento do parcelamento fiscal ou da transação individual celebrada pela empresa recuperanda.

 

Ocorre, todavia, que a não apresentação de CNDs decorre justamente do fato de que nem o parcelamento fiscal, tampouco a transação individual, foram consumados. Assim, não há como se taxar de descumprido algo com que a empresa recuperanda sequer chegou a ser obrigar.

 

Já a extinção do processo de recuperação judicial parece ser a consequência jurídica que melhor se aplica ao caso. Isso porque, a não apresentação de CNDs na forma em que previsto no art. 57 da Lei 11.101/2005 pode ser enquadrada como uma carência superveniente de condição de ação afeta ao processo de recuperação judicial, ou então, em uma verdadeira ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular específico do processo de recuperação judicial, o que remete, em ambos os casos, na extinção do processo nos termos do art. 485, IV e VI do Código de Processo Civil, com o retorno das partes ao status que se encontravam antes da distribuição do processo de recuperação judicial.

 

Neste cenário os credores poderão prosseguir com as medidas jurídicas voltadas ao recebimento de seus respectivos créditos, na forma em que originalmente previsto, tendo em vista que o efeito da novação que seria advindo da aprovação do plano não irá se operar por força da extinção do processo recuperacional.

 

Relevante observar que a extinção do processo de recuperação judicial não pode ensejar comportamentos oportunistas por parte do devedor, tal qual, por exemplo, a repropositura subsequente de um novo processo de recuperação judicial com vistas à obtenção de um novo stay period. Nessa hipótese seria razoável condicionar o próprio deferimento do processamento da recuperação judicial à prévia demonstração de que as CNDs foram obtidas, o que teria fundamento com base no art. 486, §1º do Código de Processo Civil. De toda sorte, é preciso uma definição sobre o tema. A indefinição e a aplicação de consequências jurídicas tão destoantes não é um cenário salutar para o Poder Judiciário, muito menos para o jurisdicionado. É necessário que o devedor que venha optar pela distribuição de um processo de recuperação judicial esteja previamente seguro e ciente de quais serão os efeitos legais advindos da eventual impossibilidade de apresentação das CNDs, sobretudo caso se impere o entendimento que envolveria a grave consequência da convolação da recuperação em falência.

Newsletter

Este site utiliza Cookies para melhorara  navegação do site. Confira mais sobre nossa política de privacidade.