A Lei de Falências e Recuperações Judiciais desde 2005 prevê a exigência de apresentação de CND como condição para a concessão da recuperação judicial (art. 57). De outro lado, a mesma lei e o CTN determinaram que os Fiscos instituíssem parcelamentos específicos para empresas em recuperação judicial.
Como ao longo dos anos tais parcelamentos específicos não foram criados, e sendo o passivo tributário uma constante de qualquer empresa em recuperação judicial, a jurisprudência se consolidou pelo afastamento da exigência de CND nas recuperações judiciais, tornando o Fisco um ator praticamente alheio aos processos de recuperação judicial.
Com a reforma da Lei de Falências pela Lei 14.112/20, que passou a viger em 2021, foi promulgada a transação tributária específica para empresas em recuperação judicial, com excelentes condições de pagamento, prevendo até 70% de desconto e parcelamento em até 120 meses, para créditos tributários devidos à Fazenda Nacional.
Esse novo instituto, gerou uma aguda mudança na postura da Fazenda Nacional, que passou a intervir nos processos de recuperação judicial, pleiteando a exigência de CND e outros pleitos de privilégio ao crédito tributário.
O advento da nova transação também alterou radicalmente a posição da jurisprudência. De 2021 para cá, Juízes de Primeiro Grau e Tribunais de Justiça, como de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a exigir a regularidade fiscal como condição para a concessão de recuperações judiciais. Em alguns casos exigiram a regularidade inclusive de recuperações judiciais já concedidas. E também passaram a ordenar que os planos de recuperação prevejam os meios de equalização do passivo tributário.
Ainda não há posição dominante no Superior Tribunal de Justiça, mas é possível que esse entendimento já praticamente consolidado dos Tribunais de 2º Grau também seja aplicado nos Tribunais Superiores.
A boa notícia é que houve mudança de Postura da Fazenda Nacional no sentido de melhor entender a situação delicada das empresas em recuperação judicial, negociando condições especiais, parcelas crescentes, meios alternativos de pagamento e outras benesses que eram impensáveis até poucos anos atrás.
De fato, com a nova transação tributária individual, a Fazenda Nacional passou a aceitar condições que efetivamente permitem às empresas em recuperação judicial equalizarem suas dívidas tributárias. Tal instrumento, muito embora ainda restrito – só há pouco mais de 30 transações individuais celebradas no País todo -, se revela um instrumento essencial para que as empresas em recuperação judicial consigam a agora exigida regularidade fiscal.
As possibilidades de equalização do passivo tributário federal de empresas em recuperação judicial se tornaram ainda mais atraentes com a recente edição da Lei 14.375/22, regulamentada pela PGFN em 01/08/2022, que trouxe a possibilidade de utilização de saldos de prejuízos fiscais na amortização de até 70% do saldo das dívidas já desagiadas no âmbito de transação tributária individual, exclusivamente para empresas em recuperação judicial. Na prática, a conjugação de deságios e uso de prejuízo fiscais, podem implicar em reduções de até 90% da dívida tributária a ser equalizada.
Um caso recente negociado pela LCSC Advogados demonstra bem a mudança de postura da Fazenda. Tal caso previu o pagamento inicial com recursos obtidos por leilão de imóveis no âmbito da RJ; parcelas progressivas com carência e parcelas iniciais baixas e concentração de pagamento nos anos finais do parcelamento. Acreditamos que sejam as condições mais benéficas já concedidas pela PGFN, ao analisarmos as demais transações já obtidas.
Tal transação somente foi possível porque a Fazenda Nacional estava aberta a analisar a situação concreta do contribuinte, a ver sua real capacidade de pagamento, e foi convencida da necessidade de concessão de condições excepcionais que fugiram do trivial, mas que permitiram a regularização do passivo tributário e garantiram a preservação e continuidade da empresa.
Esta transação demonstra uma mudança radical de postura da PGFN. A Fazenda deixa de ser mero agente cobrador alheio ao contexto específico das empresas em recuperação judicial e engessado em soluções de parcelamento, e passa a também compartilhar esforços com demais stakeholders de uma recuperação Judicial (como credores trabalhistas, bancos, fornecedores, Judiciário) no sentido de dar condições reais para a empresa se recuperar e equalizar seu passivo, inclusive o tributário.
Ou seja, de um lado, a Fazenda Nacional está muito mais ativa nas recuperações judiciais, exigindo a regularização do passivo, o que é um alerta para as empresas em recuperação judicial. Mas de outro, se mostra muito mais aberta a negociar condições específicas e excepcionais para as empresas em recuperação lograrem regularizar seus créditos tributários.
Diante do cenário provável de uma consolidação da jurisprudência no sentido de se exigir a regularidade fiscal de empresas em recuperação judicial, será cada vez mais comum as empresas em crise negociarem suas dívidas com condições especiais através de transações tributárias individuais. E é um alívio saber que a Fazenda Nacional está disposta a negociar em condições que realmente as empresas em crise possam pagar suas dívidas.